Interação é um conceito bem mais antigo que interatividade e utilizado nas mais variadas ciências como “as relações e influências mútuas entre dois ou mais fatores, entes, etc. Isto é, cada fator altera o outro, a si próprio e também a relação existente entre eles” (Primo e Cassol, 1999) . No âmbito das comunicações, essas relações e influências podem se dar de diversas maneiras, seja na forma de difusão unilateral, como é o caso da TV e da imprensa, seja na forma de diálogo ou reciprocidade, como é caso da troca de correspondência, postal ou eletrônica. Em ambos os casos temos uma situação em que a mensagem não pode ser alterada em tempo real, o que faz com que a relação seja linear e o sistema fechado, mas que assim mesmo permite, segundo Lévy (1999:79) , que o destinatário decodifique, interprete, participe, mobilize seu sistema nervoso de muitas maneiras e sempre de forma diferente de outro destinatário, diferente inclusive de si mesmo em momentos distintos, (re)apropriando e (re)combinando as mensagens veiculadas.
No âmbito da educação formal, essas relações e influências acontecem em todos os momentos. Mesmo numa situação de aula centrada no modelo “professor falante – aluno ouvinte” podemos perceber as ações e reações dos participantes, nem que estas estejam limitadas à relação estímulo-resposta. É comum, em sala de aula, encontrarmos alunos que “não prestam atenção à aula”, alunos que “bagunçam”, alunos que “dormem”, alunos que “acompanham atentamente todo o discurso do professor”. Todas essas são formas de interação, formas de o aluno dizer ao outro como aquela mensagem está sendo significada, o que por sua vez provoca no professor e nos demais alunos outras ações e reações características à cada caso. Também ocorre interação numa situação em que o aluno é colocado em frente a um texto escrito. Cabe ao aluno interpretar hermeneuticamente o texto, isto é, compreendê-lo, atribuir sentido ao que lê, o que faz com que o aluno se modifique, pois a cada leitura surgem novos horizontes de compreensão, novas relações entre o leitor e o texto se estabelecem.
Ocorre interação, ainda, numa situação de sala de aula em que o aluno tem liberdade para se expressar, mas é-lhe cobrada uma ordem, uma organização, ou seja, ele necessita esperar a vez para falar, não pode interromper aquele que está com a palavra, situação muito em uso hoje, principalmente na academia, quando cada um necessita de espaço-tempo para fazer seu discurso. Nestes casos mantém-se a separação emissão-recepção da mensagem, perdendo-se muitas oportunidades para questionar, reorientar o fluxo da mensagem, pois isso só acontece se o discurso puder ser interrompido, puder ser redirecionado em tempo real. Como aquele que poderia e gostaria de interromper não tem permissão para tal, no momento que chega sua vez de falar, a oportunidade já se perdeu no tempo, não tendo mais a mesma potência que teria se acontecesse no ato, em tempo real. Mesmo assim, a interação que acontece é bastante significativa, pois todos têm oportunidade para expressar suas opiniões, sentimentos, argumentos. É possível o estabelecimento de um ambiente de negociação.
No entanto, é possível estabelecer em sala de aula um ambiente que vá além desse nível, que vá além da separação emissão-recepção. Para tanto, o conceito de interatividade, proposto por Silva (2000) , pode nos oferecer uma base de apoio e compreensão das novas relações a serem estabelecidas no âmbito educacional.
O computador, em especial as redes de comunicação e os CD-Roms disponibilizam informações de forma não seqüencial, o que permite que o acesso a elas seja aleatório. Configurando-se num espaço aberto para conexões possíveis, de acordo com Silva (2000:137) , essa tecnologia permite ampla liberdade para “navegar”, fazer permutas ou conexões em tempo real, podendo o usuário transitar de um ponto a outro instantaneamente, sem necessidade de passar por pontos intermediários, de seguir trajetórias predefinidas. O caminho a ser trilhado e as conexões a serem estabelecidas são definidos pelo usuário. Essa dimensão criativa e libertária é possibilitada pelo fato de que essas tecnologias utilizam como estrutura básica a hipertextualidade, o que supõe potencialidade e permutabilidade, ou seja, grande quantidade de informações instantâneas e total liberdade para combiná-las, o que leva a “produzir narrativas possíveis. Dependendo do que ele fizer acontecer, novos eventos ou combinações podem ser desencadeados. Então, ele mesmo não sabe o que vai acontecer. Depende da conexão que fizer a cada momento, depende do acaso” (Silva, 1998:34) .
Dessa forma, constitui-se um ambiente não de emissão, mas de implicação, de interpenetração, de atuação, de intervenção, de modo que o usuário não pode mais ser visto como mero receptor, à medida que não se contenta mais em assistir o que se passa na tela. Ele imbrica-se com, conjuga-se a ela, define o que se passa, passa a fazer parte da ação. Assim, o usuário tem também a possibilidade de interromper o processo.
Isso é o oposto de alternabilidade, onde os participantes alternam-se em suas ações: um participante deve esperar que o outro termine sua ação para que possa atuar. Como o processo interativo deve ser mútuo e simultâneo, cada participante deve ter a possibilidade de atuar quando bem entender. Esse modelo de interação estaria mais para uma conversa do que para uma palestra. Porém, a interruptabilidade deve ser mais inteligente do que simplesmente trancar o fluxo de uma troca de informações. (Primo e Cassol, 1999)
Dessa forma há uma superação das tradicionais relações interativas lineares. Não há mais separação entre emissor e receptor. Todo emissor é potencialmente um receptor e todo receptor é potencialmente um emissor, ambos produzem conjuntamente, codificam e decodificam ao mesmo tempo, o que permite que as diversidades se expressem, sem o crivo de um centro emissor.
Entretanto, apesar dessa potencialidade das tecnologias hipertextuais, nem tudo o que está disponível hoje na Internet apresenta essas características. Muitos sites têm se apresentado como cópia de textos impressos, disponibilizando poucas ou nenhuma conexão, permitindo ao usuário apenas fazer uma leitura linear do que está ali disponível. Com isso o processo é interrompido, a dimensão criativa e libertária é bloqueada e a interatividade não se instaura.
Portanto, interatividade vai além de interação digital. Para Silva (1998:29) , a interatividade está na “disposição ou predisposição para mais interação, para uma hiper-interação, para bidirecionalidade - fusão emissão-recepção -, para participação e intervenção”. Não é apenas um ato, uma ação, e sim um processo, inclusive instável, uma abertura para mais e mais comunicação, mais e mais trocas, mais e mais participação.
Enquanto interação nos leva a uma atualização, a um acontecimento, interatividade nos leva a uma virtualização, a um estado de potência, à abertura de um campo problemático.
Interatividade é a disponibilização consciente de um mais comunicacional de modo expressivamente complexo, ao mesmo tempo atentando para as interações existentes e promovendo mais e melhores interações – seja entre usuário e tecnologias digitais ou analógicas, seja nas relações “presenciais” ou “virtuais” entre seres humanos. (Silva, 2000:20)
Temos, portanto, um movimento entre interatividade e interação, onde não são os momentos de interação em si, os fatos isolados que devem ser considerados, e sim a relação desses fatos com o campo de possibilidades de onde eles emergem e que permitem que apareçam e desapareçam, num devir constante. Essa potencialização, essa abertura a um “mais comunicacional” extrapola o âmbito das TICs, podendo e devendo ocorrer em todas as formas de relação, sejam elas presenciais ou não, estejam elas utilizando tecnologias hipertextuais ou não.
Para a educação, a compreensão desse conceito é de fundamental importância, uma vez que a relação pedagógica é uma relação entre seres humanos. Logo, a todos os sujeitos da educação deve ser oferecida essa possibilidade. Com isso, transformam-se os papéis desempenhados por professores e alunos em sala de aula.
O professor necessita interromper a tradição do falar/ditar. Também necessita interromper o ritual em que cada aluno deve inscrever-se numa lista e esperar a vez para falar. De acordo com Silva (1999:159) ele necessita construir um conjunto de territórios a serem explorados pelos alunos e disponibilizar co-autoria e múltiplas conexões. Ou seja, “ele disponibiliza domínios de conhecimento de modo expressivamente complexo e, ao mesmo tempo, uma ambiência que garante a liberdade e a pluralidade das expressões individuais e coletivas. Os alunos têm aí configurado um espaço de diálogo, participação e aprendizagem” (Silva, 2000:193) .
Para tanto, é necessário pensarmos em “território” para além da noção espacial. É necessário pensarmos também em “territórios existenciais” (Guattari, 1995:38) como relacionados às maneiras de ser, ao corpo, ao meio ambiente, às etnias, às nações. Esses territórios que o professor disponibiliza para seus alunos explorarem têm uma organização, um significado dado a eles pelo professor. Entretanto, à medida que os alunos passam a explorá-los, eles se desterritorializam, fogem da organização dada pelo professor, abrem-se a outros significados. No entanto, no trabalho conjunto entre professor/aluno deve voltar a ocorrer uma reterritorialização, que por sua vez levará a novas desterritorializações e assim sucessivamente. Com isso, o ato pedagógico passa a ser o de construção de um mapa. “O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social” (Deleuze e Guattari, 1995:22) .
Da mesma forma que o professor não é mais o transmissor, também não é “facilitador” – termo empregado atualmente na maioria dos projetos de uso de tecnologias em educação –, ou seja, aquele que facilita o acesso do aluno às tecnologias para que então, na relação com elas, individualmente, o aluno construa seu conhecimento. Nesta perspectiva, o papel do professor é um papel secundário, visto não estar implicado nessa relação.
O papel do professor passa a ser ainda mais importante do que o papel do transmissor, pois necessita trabalhar num contexto criativo, aberto, dinâmico, complexo, sendo impossível a adoção de programas fechados, estabelecidos a priori, cujos atos devem funcionar um após o outro sem variar. Em lugar de programas, segundo Morin (1996:284) , passa a trabalhar com estratégias, ou seja, com cenários de ação que podem modificar-se em função das informações, dos acontecimentos, dos imprevistos que sobrevenham no curso da ação. Trabalhar com estratégias implica trabalhar com incertezas, com complexidades.
Dessa forma, as metáforas utilizadas para o processo de construção do conhecimento deixam de ser a da montanha e da escada, nas quais o aluno, sob o controle do professor, vai subindo degraus na escala de dificuldades do conhecimento, do mais fácil até o mais difícil e, somente quando chega ao topo, a um ponto ideal, fixado a priori, tem uma visão do todo. Passa-se a utilizar a metáfora do labirinto, na qual a cada passo dado, a cada ação executada, ocorre uma reconfiguração do labirinto que exige um replanejamento e/ou um redirecionamento para a execução da próxima ação. Cada aluno, e cada professor, constrói a sua própria configuração, entrecruzando-a com a configuração dos demais e formando uma rede que os levará a pontos diversos. Dessa forma, não existe o ponto ideal a ser atingido por todos.
Nesse contexto, alguns desafios são postos à escola, uma vez que o trabalho do professor se intensifica, uma nova relação pedagógica e uma nova organização da escola necessitam ser estruturadas, o que por sua vez exige uma nova plataforma de trabalho e uma nova competência técnica e política dos professores.
Referências
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs - capitalismo e esquizofrenia. 1º v. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. 96 p.
GUATTARI, Félix. As três ecologias. 5ª ed. Campinas: Papirus, 1995. 56 p.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. 264 p.
MORIN, Edgar. Epistemologia da complexidade. In: SCHNITMAN, Dora Fried (org.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 274-289.
PRIMO, Alex Fernando Teixeira; CASSOL, Márcio Borges Fortes. Explorando o conceito de interatividade: definições e taxonomias. 1999. Disponível em:
SILVA, Marco. Que é interatividade. Boletim técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, maio/ago. 1998. p. 27-35.
SILVA, Marco. Um convite à interatividade e à complexidade: novas perspectivas comunicacionais para a sala de aula. In: GONÇALVES, Maria Alice Rezende (org.). Educação e cultura: pensando em cidadania. Rio de Janeiro: Quartet, 1999. p. 135-167.
SILVA, Marco. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2000. 230 p.

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